sábado, 28 de dezembro de 2013

Depois do Nanowrimo – Dia 45


Você disse que sou uma pessoa amarga. Sem fé na vida. Que não acredito em mais nada. Nunca tinha pensado nisso. Apenas escrevo, e cada dia que passo sem escrever, fica mais difícil retomar o fio condutor desta narrativa, seja ele qual for. Quase todos os dias penso em desistir. Seriam todos os dias, mas às vezes me esqueço – me esqueço de que quero desistir, e se é isso que chamam de esperança, então ainda tenho um pouco de esperança. Desistir da vida? Desistir da história, mas talvez desistir da história, desta história que é minha, talvez em algum nível seja desistir da vida. 

Hoje é a 45ª noite que escrevo e não seguidamente porque – você sabe – sou uma péssima escritora. Maria Que Não Sabe Mais O Que Fazer Da Vida E Por Isso Escreve. Mas de alguma forma a escrita me afasta da loucura e há pouco escrevi que é isso que me mantém viva. Quem sabe? Mas por algum motivo, e seja ele por que quero que a dor passe ou algum dia vou querer sair do outro lado e perceber que foi apenas um sonho ruim – é isso, apenas um sonho ruim –, escrevo.

Eu disse em alguma dessas noites perdidas no tempo, nessas em que mais uma vez fiquei trancada aqui e tentei construir essa historinha a partir do nada, que o pai de Clara voltou a beber depois de dez anos. O pai de Clara, até onde sei e não posso estar errada quanto a isso, era o moreno alto de cabelos lisos cujo nome já desisti de tentar lembrar. Digo, inventar. Temos Lara, sua irmã, o garoto Jonas – Jonas que é o mesmo nome do meu irmão, e só coloquei esse nome porque, não canso de repetir, sou uma péssima escritora, incrivelmente sem criatividade. Mas havia um outro garoto. Acho que Clara tinha um irmão, porque em minha mente esse outro garoto era moreno, e era pequeno. Que droga, até eu estou me perdendo nessa maldita história. Esses dias disse para a Sarah que ia parar de escrever, que ninguém ia ler mesmo, que diferença ia fazer?

– Se você parar de escrever, não saberemos o que acontece com Clara.

Por algum motivo que não posso, ou não entendo ou não queira entender, comecei a chorar quando Sarah me disse isso.

Mas assim que as lágrimas terminaram de me cortar e cicatrizaram, voltei a escrever. 

Não sei por que o pai de Clara voltou a beber. Não sei como ele era antes de voltar. Talvez – talvez, eu não sei – ele se controlasse, até tentasse ser algo que talvez fosse, talvez não fosse. Mas em minha mente ele já esfregava Clara demais no banho, e talvez Clara não percebesse isso, mas – ela não entendia. 

Meu deus, ela não entendia o que estava acontecendo com ela. Ela era apenas uma criança. E acho que ela sentiu culpa por usar roupas curtinhas, por usar saia. Mas ela não podia saber. 

Meu deus, ela era apenas uma criança.

Sarah me disse que ser criança e ter infância não são a mesma coisa. 

Clara era uma criança.

Mas ao escrever isso percebo que ela não teve infância. 

E então começo a chorar de novo.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Depois do Nanowrimo - Dia 44

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01:04

Você diz que estou atrasada alguns dias. Maria Atrasada, porque não escrevo todos os dias. E bem quando estou decidida a jogar esta história mal escrita no lixo, eis que surge a sua voz me cobrando: onde estão os outros trechos, cadê essa droga de novela? Veja, já estou até classificando isso que estou tentando fazer de novela. Hoje decidi variar. Me tranquei aqui, e é começo de madrugada.

Estou com uma taquicardia. Raiva? Talvez. Vontade de quebrar tudo? Pode ser. De xingar todo mundo? Sim, ia ajudar. Mas como quem ainda não dormiu, está para dormir neste lugar, nesta hora anódina em que o tempo parece parar, tudo o que me resta, como geralmente resume o tudo que me resta sempre, é escrever.

Pensei agora pouco no garoto, porque havia um garoto nesta história. Eu acho, porque não tenho certeza de nada – e porque sou uma escritora muito da chinfrim – que ele era irmão de Clara. Talvez não irmão de pai e mãe, talvez nem irmão. Ele podia ser filho de Lara, e acho que o nome dele é Jonas. 

Se você tem uma memória razoavelmente razoável, vai lembrar, porque acabo de me lembrar disso, que em uma dessas noites me referi a você, a voz na minha cabeça, meu interlocutor nem sempre imaginário, a voz que às vezes parece a voz de Sarah, como sendo Jonas. 

Meu irmão Jonas. 

Lembra?

Sei lá, mas foi o nome que me apareceu para batizar aquele garotinho e como não tenho nenhuma criatividade, vou chamar o garoto desta história de Jonas. O que tem ele? Eu também não sei, mas vou escrever até que meu inconsciente dite alguma coisa. Sarah insiste em eu simplesmente escrever, porque a partir disso – de uma história que não vai dar em nada – talvez eu descubra como vim parar aqui. Eu também penso em um acidente que talvez tenha me feito esquecer de minha vida pregressa. Mas isso seria demasiado óbvio, e só se esta história estivesse sendo contada por outro autor que não tivesse a menor habilidade para contar histórias. 

Pois bem, o nome do garoto é Jonas. Vejo ele tomando banho em um boxe. O homem moreno e alto de cabelos lisos fazia com ele o que fazia com Clara? Isso eu ainda não sei. Ele era filho de Lara, acho que era isso. Lara era irmã de Maria.

Suspiro. Maria, como o meu primeiro nome, e não sei se tem a ver com o fato de eu não gostar do meu primeiro nome, mas suspiro de novo, e cada vez que lembro que inventei uma personagem que era casada com aquele homem, uma personagem que passou por aquilo que intuo que ela tenha passado, e que tem o mesmo nome que eu, me dá vontade de chorar.

De gritar.

De quebrar tudo.

E depois chorar, escondidinha neste quarto, com a porta fechada. Amanhã talvez alguém perguntasse se aconteceu alguma coisa, e eu ia mentir que não, está tudo bem, se melhorar, estraga. Mas se melhorar, não vai estragar. Não há mais o que estragar nesta história. Maria, sem querer, ensinou Clara a ligar o fogão. Tempos depois ela se internou no hospital, de novo. Lara tinha se comprometido a cuidar das crianças, mas teve um caso com seu cunhado. Clara ia cada vez pior na escola. O homem moreno cujo nome não consigo criar era médico e ninguém podia tocá-lo, nem acusá-lo, nem nada. O homem alto e moreno de cabelos lisos, que molestava a filha, era indestrutível. Clara já havia tentado se matar pela primeira vez.

Acredite, não há mais o que estragar nesta história.

01:24

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Depois do Nanowrimo - Dia 41



Você pode achar que estou brincando, mas é verdade: lembro quase nada do que escrevi antes.

Fica cada vez mais difícil escrever, e cada dia que insisto em contar esta história incontável, porque é impossível uma escritora – a menos que seja uma escritora muito ruim, como eu – contar uma história que não existe sequer em sua cabeça. Eu não me lembro dos nomes.

Digo, não consegui inventar nomes.

Mas acho que tinha Marco, que era o irmão, e tinha Lara, que era a irmã. A irmã de Maria, a mãe de Clara. Hmm, talvez montar uma arvorezinha genealógica desta família me ajudasse um pouco. Temos o homem magro e alto de cabelos lisos e negros, que é o pai. Pelo menos imagino ele sendo o pai. Temos Maria, e essa supõe-se que seja a mãe. Uso esses termos porque ainda não tenho certeza, mesmo depois de 41 dias escrevendo quase – quase – todos os dias, ou todas as noites, que esta história é o que aparenta. Eu disse que Lara era a irmã, mas não podia ser a irmã do homem moreno, a menos que eles tivessem uma relação incestuosa – o que também não é impossível, levando em conta o que ele fazia com a pequena Clara. Mas prefiro pensar que Lara era irmã de Maria, a mãe, e sei que ela teve algo com o homem moreno. Deve ter sido assim: Maria foi para o hospital, ainda não sei bem por quê, e Lara se mudou para casa para cuidar de Clara. E havia um menino, que em minha imaginação era irmão de Clara. 

Esse menino era Marcos? Ou havia um outro menino? Podia haver um filho não assumido, considerando que duvido que Maria soubesse que seu marido tivesse um caso com sua irmã. Será que foi por isso que ela foi pro hospital? Cogitei depressão pós-parto, mas Clara não era mais tão bebê quando isso aconteceu. A menos que Maria tivesse ido para o hospital outras vezes, o que é bem provável. 

Não consigo ser escritora, nem detetive. Maldita hora em que fui dar ouvidos a Sarah e comecei a escrever tudo isto aqui. 

Mas em minha fantasia, e quero muito estar errada, e acho que eu posso mudar o destino, pois sou a Dona da História, e nem você nem eu temos a noção do quanto sou a Dona da História, pelo menos ainda não, mas se não estiver, é possível que Maria tenha entrado em depressão e se internado no hospital porque enfim descobriu o que acontecia debaixo de seu nariz, em sua própria casa, e mãe, uma mãe jamais permitiria isso, mas aí já estava acontecendo, e talvez ela tenha se tocado que já estava acontecendo, e talvez ela tenha tentado impedir, talvez tenha tentado fugir, fugir elas duas. Uma dor tão grande quanto só uma mãe entenderia.

Meu deus, será que foi assim que aconteceu?

Depois do Nanowrimo - Dia 40


Continuo triste.

Pareço uma garotinha escrevendo em seu diário, e nem escrevendo todo dia estou, mas o fato é que continuo triste.

Maria Melancólica. Sabe que esta terapia deve estar fazendo efeito, porque quase esqueci que não gosto do meu primeiro nome, de tanto que me chamo por ele: Maria Alguma Coisa, Maria Sei Lá Mais O Quê. Maria, cada dia um novo dia, ou melhor: cada noite uma nova noite. Tentei escrever de dia. Não é a mesma coisa. Tem uma mágica na noite que só existe depois que o sol se põe, e ver o sol descer na tardezinha é como descer pelo escorregador, a promessa de que há algo lá na frente, mesmo que a gente ainda não consiga pensar, apenas sente, apenas vive, desce o escorregador, vê o sol descer e bum: é noite e tenho que escrever. Sem a menor vontade, sem a menor ideia do que vou escrever, como está acontecendo religiosamente every single day (viu que pedante?).

Mas imaginar uma metáfora com um escorregador me fez de lembrar de Clara, a doce Clara que, mesmo que eu não soubesse, parece ser o motivo de estarmos aqui. Pelo menos é uma personagem sobre a qual consigo discorrer. O pai-monstro já desisti de tentar batizar. Vai ver nem ela lembrava. Li em um desses pedaços de texto que Sarah deixa por aqui, imagino que estrategicamente, que quando alguém, especialmente se for criança, sofre um trauma considerável (e afinal, que trauma não seria considerável?), ela pode ter amnésia.

Será que é por isso que não consigo batizar esse homem maldito? Porque Clara também não lembrava seu nome?

Mas é só uma história, um personagem, uma droga de um nome.

Maria, Péssima Escritora.

Entretanto, devo confessar que pensar o que recém pensei fez um arrepio costurar pela minha espinha.

Neste momento, em que imagino todos estarem dormindo, os tais que se vestem iguais e que habitam do outro lado desta porta quase sempre fechada, embora, reconheço que não sejam exatamente iguais, nem nas caras, nem nas roupas, mas me parecem ser a mesma pessoa, que é pessoa nenhuma, e me sinto sempre sozinha nesta porcaria de lugar, tomo um leite.

Veja quantas palavras amarrei para fazer uma frase longa na frase anterior: era só para dizer que estou tomando leite agora.

E eu com isso, você me pergunta.

Hoje estava pensando que preciso de você. Não, é claro que o leite não tem nada a ver com isso. Mas preciso de alguém que me leia e que me escute, mesmo que você não me leia nem me escute todos os dias – talvez castigo por eu não estar escrevendo todos os dias. Será isso?

Outro arrepio. Não, não foi um arrepio, foi só uma...

Dor.

Chega de castigo.

Eu não quero mais castigo.

Por favor, chega de castigo.

Vou parar de escrever antes que comece a chorar. 

Talvez eu tente de novo amanhã.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Depois do Nanowrimo - Dia 37

Nota: este blog está com problemas para atualizar. Para acompanhar as atualizações diárias da história abaixo, acesse a página do Distantes Trovões no Facebook:




Eu acho que você deve escrever, pareço ouvir sua voz dizendo.

Não apenas porque talvez eu jamais seja escritora, e não apenas – como toda noite – estou cansada, e não porque – sim, toda noite também – eu não... 
tenha a menor ideia de sobre o que vou escrever. Mas ia dormir sem escrever nada hoje, pelo simples motivo (além dos já citados, não vou ser hipócrita) de que não sei onde o menino Marcos se encaixa na história. Ainda não sei qual seu parentesco com Clara, embora suspeitemos (porque acho que você pensa a mesma coisa) de que se trata de um irmão.

O homem magro e moreno fazia com ele o que fazia com Clara?

Não sei.

E ele já fazia isso antes de voltar a beber?

Acho, porque não me lembro, que já tive essa dúvida antes. Ainda não sei. Mas ontem sonhei com Clara, e ela estava sorrindo, como antes de tudo isso começar tenho certeza que sorria. Ela estava abraçada em um boneco que era maior que ela, um boneco de pele negra. Não sei que material era aquele, suspeito que era um tipo de estofado com recheio de esponja. E ela estava tão feliz. Fazia tempo que não imaginava ela tão feliz. Com um sorriso do tamanho do mundo. Talvez tudo o que eu tenha escrito até agora seja para recuperar aquele sorriso, que parecia ser como uma galáxia abrigando seus planetas, um arco-íris de esperança na sua então inocência de criança.

Ela era uma princesa.

Linda sorrindo daquele jeito.

Abraçada no boneco, como protegendo ele, como orgulhosa dele. Será que alguém tinha orgulho dela? Acho que Maria tinha. E eu tenho, enquanto escrevo isso. Clara, em quem penso noite após noite, a garotinha que me faz escrever mesmo quando estou cansada, mesmo quando não tenho a menor inspiração – o sorriso que vejo na tela da minha mente, por alguns segundos, apaga a dor do mundo.

Queria que apagasse para sempre.

Se ela sorrir de novo, será que apagaria?

Ó, Clara, sorria hoje, sorria mais uma vez. Por você e por mim. Sorria e siga em frente. Sorria e finja que não dói. Porque se você acreditar, talvez eu acredite também.

Você ainda não sabe, mas pensar em você me mantém viva mais um dia. E enquanto escrevo, você também fica viva mais um dia.

Não desista da vida, garotinha. Não desista de você.

Eu não vou desistir.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Depois do Nanowrimo – Dia 32


De novo estou cansada.

De novo tive uma ideia e me esqueci.

De novo passei o dia sem pensar nesta história e tão logo sento aqui para escrever – sem vontade, geralmente sem vontade – algo acontece. Sarah disse que não devo pensar muito na história, apenas escrever e confiar que o inconsciente vai ditar as regras. Mas regras do que, me pergunto, se é apenas uma história que estou inventando enclausurada aqui?

Existe algo de mais nisso tudo que ainda não entendi. Isso é óbvio. Ou acho que seja óbvio. Sei que o homem moreno passou pelo corredor de novo. Ele sorria, mas tem algo de maligno no jeito como ele sorri, e ele segurava Clara, que estava com a cabeça dele entre suas pernas, ela por cima dos ombros dele, como cavalgando um cavalo.

Mas Clara parecia menor. Então talvez aquilo que sonhei tenha sido uma cena do passado, partindo do princípio que ainda não sei quando começa e em que ponto termina essa história. Tenho suspeitas, mas assim como elas vêm, se vão, e continuo escrevendo na tentativa de guardar alguma coisa. Tenho escrito há mais de um mês – 32 dias hoje, ou melhor, 32 noites hoje – mas lembro muito pouco do que escrevi nesse tempo. E sei que o fato de eu me esquecer das coisas assim tão rápido tem a ver com o fato de eu não lembrar como vim parar aqui.

Você sabe. Por isso escrevo.

Estou cansada. Talvez devesse tentar escrever durante o dia. Por que sempre de noite, você já me perguntou. Eu não sei, mas parece que minha existência só tem sentido quando estou escrevendo e por algum capricho divino, ou mania mesmo, isso sempre ocorre à noite.

Hoje não sei mais de Lara, nem de Maria, e tampouco Clara, assim como o armazém, a praça e um certo acidente que deve ter acontecido, e que talvez tenha posto fim a tudo. O que ou quem é tudo, você me pergunta. Alguém morreu?

Sim, acho que sim.

Mas não vou conseguir descobrir isso hoje. Estou cansada e honestamente sem paciência. Vou tentar de novo amanhã.

Mas alguém morreu, e vou dormir pensando nisso hoje.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Depois do Nanowrimo – Dia 31

(pensei em recomeçar a contagem, mas vou manter a numeração para orientar melhor a leitura)


O mundo não acabou ontem, então preciso escrever.

A contagem chegou ao fim.

Mas uma nova contagem iniciou hoje, e de novo o relógio volta a andar.

Todo dia penso em nunca mais escrever.

Em sair deste quarto e voltar para o convívio com aquele bando de zumbis que ficam do lado de fora desta porta fechada. Não acho que fosse fazer muita diferença para eles. Minha autoestima de mulher nunca foi das melhores, e um dia você vai entender por quê. Nem sei se você ainda está aí, e suspeito que não, mas também suspeito que você disse “ela não vai escrever hoje”, e eu não ia mesmo. Mas mudei de ideia. Talvez você seja fruto da minha imaginação, um interlocutor imaginário que preciso acreditar que existe para eu ficar viva mais um dia. Tenho pensado em sair deste quarto, mas também não sei se posso sair.

Isto é mais profundo do que parece: não sei se posso sair deste quarto.

Talvez não saia, nem jamais me liberte desta maldita história, enquanto não descobrir o que aconteceu com Clara.

Tenho visões fugidias dos personagens. Posso estar enganada, mas hoje vi alguém que bem podia ser a irmã Lara. Ela é mais jovem do que Maria, talvez seja a irmã caçula com físico definido, talvez seja aeromoça, talvez tenha pensado em roubar o homem moreno cujo nome nunca sei de Maria. Talvez ele fosse bom, pelo menos demonstrasse amor, nem que esse amor se resumisse a sexo escondido da irmã, nas madrugadas em que ela estava dormindo sob efeitos de remédio, talvez para esquecer as surras que tomava do homem moreno.

Talvez ela ainda tivesse descoberto algo mais terrível sobre ele, e não conseguisse mais dormir, e por causa disso foi internada no hospital, e não por depressão pós-parto, até porque Clara já era grandinha.

Será que Maria sabia o que acontecia em sua própria casa? Será que ela sabia, mas fingiu não saber? Ou ela enlouqueceu, que nem eu começo a suspeitar que enlouqueci? Nesse caso, o que aconteceu com ela?

Maria tinha o mesmo nome que o meu. Meu primeiro nome, do qual nunca gostei, mas acredito que dizendo todo dia meu nome, ele começa a fazer algum sentido para mim.

E estranhamente, penso que tudo o que escrevo, de alguma forma, está interligado nisso.