segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Um trecho de Naomi

Semana que vem sai o novo Van Halen, cujo aperitivo podemos curtir em som bem alto aqui, e na tarde da segundona, depois de quase um mês sem tocar no arquivo da nova versão da história de Carol, vi que Naomi (a coadjuvante que bem poderia ser protagonista), merecia mais destaque e decidi escrever mais no devaneio inicial da madrugada de um dia muito longo na vida de alguém:

Naomi era minha soul sister. Tinha sua beleza exótica, que é o que dizemos quando uma mulher é bonitinha mas estranha. No fundo acho que a gente tinha uma relação de amor fraternal que jamais seria eu-homem e você-mulher, mim Tarzan, você Jane. Ela era a amiga que dormia na minha casa de vez em quando, e com quem quase todo mundo da antiga achava que eu tinha algo mais. Todos perguntavam se a gente estava namorando, mas nunca rolou nada. Uma vez ela disse que se ainda acreditasse no amor ia querer um cara que nem eu. Eu pensei - só pensei - que se ela não fosse ela, eu também ia querer alguém como ela. Existia uma parte dela em que eu era amarrado, queria um namoro com metade dela - era bela na medida certa, não bonita demais, que mulheres assim só trazem incomodação, e era parceira como se fosse um homem. Seria como namorar seu melhor amigo - com a vantagem de ele não ser homem. Entretanto, a outra parte, a parte Naomi, era como conviver com Janis Joplin de ressaca. Li essa metáfora em um livro, e tive certeza de que a autora conhecia Naomi.

Ela não era mulherzinha, embora, na verdade, eu gostasse de mulherzinha. De mulher delicadinha. Mas não fresca demais, que isso também é uma afronta aos nervos. A mãe de um amigo dos tempos do colégio dizia que entre uma vagabunda assumida e uma quietinha era para escolher a vagabunda, que a gente pelo menos sabia o que ela estava pensando. De minha parte, ainda preferia as quietinhas. Machista? Vão pro inferno. Todo homem é machista, embora a maioria não assuma. Só dizem que não são porque têm medo de afrontar as mulheres em uma mesa de bar. Homens com medo de mulheres, embora também não assumam. Fiz PhD em noites de boteco, antes da minha aposentadoria compulsória por causa do pequeno Nelly. Mas eu estava falando de Naomi. A gente dizia, desde a adolescência, que ia se matar hoje. Vou me matar hoje. Era o nosso jeito de ser blasé, o nosso jeito de dizer que não sabíamos o que fazer da vida. Vou me matar hoje, que importa? Era o que dizíamos quando não tínhamos para onde ir, e já dizíamos isso há vários anos. Nunca soube exatamente como ela virou soropositiva, sei que foi quando ela recaiu. Sei que ela pegou com o Marco, o ex-dela que foi parar na cadeia depois de espancá-la quase até a morte, e depois que o delegado disse lá dentro "Duque 13", que é a gíria para estuprador chegando, ele virou a namoradinha do local. Sei que ela ter contraído o vírus teve a ver com Marco, mas também sei que naquela época ela gostava de brincar com agulhas. E agora, nesta madrugada insone sem fim, lembro da risada de pomba-gira dela, ecoando e se espalhando entre os prédios que dormem seu sono tranquilo, abrigando a gente respeitável da sociedade.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Mais Palavra por Palavra

"Tente não ter pena de si mesmo quando a vida parecer difícil e solitária. Você parece querer escrever; então escreva. Você tem sorte de ser uma daquelas pessoas que desejam construir castelos de areia com palavras, que estão dispostas a criar um lugar onde a imaginação pode perambular. Construímos esse lugar com a areia das lembranças; esses castelos são nossas lembranças e nossa inventividade transformadas em algo tangível. Portanto, uma parte de nós acredita que, quando a maré começar a subir não teremos perdido nada, porque, na verdade, era só um símbolo que estava na areia. Outra parte de nós acha que vamos encontrar uma maneira de desviar o oceano. Isso é o que separa os artistas das pessoas comuns: a crença, arraigada em nosso coração, de que construímos bastante bem nossos castelos e que, de alguma forma, o oceano não vai destruí-los. Acho maravilhoso ser assim."

Anne Lammot, in: Palavra por Palavra, Ed. Sextante, pg. 210-211.

Primeiro post com computer novo - depois de dez anos, troquei de computador -, enquanto suamos aflitos na cidade-sorriso de Forno Alegre, no sempre horrendo verão. Semaninha começando. Andiamo.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Último post com a idade de Cristo

Mas deixa eu te contar.

Amanhã estou de aniver. Mais um caprica com anos em festa, com o sol quase entrando em Aquário, mas dessa eu me livrei. A formatura no sábado estava memorável. Quem diria. Revi algumas vezes meu discurso gravado no celular pela minha Mademoiselle. E, imagina, uma das coordenadoras do curso me chamou para puxar a Oração da Serenidade, que o auditório do Mãe de Deus repetiu, pausadamente. Depois tivemos coquetelzinho, e uns salgados e doces killers. Fui para casa viajando, repassando na mente as falas, os abraços e desejos de sucesso. Um dos bam-bam-bans de lá me cumprimentou com “e aí, chefe”, e não vou negar que achei isso muito massa.

Por aqui, retomei o chimas e a leitura do Bandini, agora fugindo de um terremoto em Los Angeles, pensando na distante Camilla Lopez. Temos novidades literárias, mas novidade por novidade, a verdade é que a luta continua. A chama também se mantém acesa na véspera dos meus 34. O diploma está sobre a mesa enquanto escrevo. Tirei tudo A (vá lá, só um bezinho) nos conceitos finais de desempenho. 2012 vai se desenhando aos poucos conforme vou caminhando, e reafirmo os compromissos do último post: escrever + ler + estudar. E a meta é se tornar um exercício diário.

Leio no mural o cartão que minha avó italiana me deu em um dos últimos natais: “Quando se busca o cume da montanha, não se dá importância às pedras do caminho”. Quer uma maneira melhor de começar o dia?

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Carta-post resposta ao Marcelo Martins

Caro Professor,

Pois que curti a tua ideia de me escrever uma carta a portas abertas como um post do teu blog, e sentei aqui para te escrever. É preciso sentar e escrever, isso é praticamente metade do trabalho. Falemos sobre escrever e sobre trabalho. Tenho lido o livro da Anne, ela fala muito em escrever todos os dias, em alimentar nosso projeto literário diariamente, como alimentar um bebê recém-nascido. Muito legal essa coisa da autodisciplina, mas não é fácil manter. Uma das metas deste 2012 que ainda engatinha é escrever + ler + estudar todos os dias. Tem que praticar, não adianta, senão os dedos enferrujam. É quem nem tocar um instrumento musical. Os grandes trabalharam e estudaram para serem grandes. Anos e anos de horas e horas diárias. E a gente pensa que não foi tão difícil porque só vê o resultado final. Não pensa nas várias coisas que todos eles tiveram que abrir mão para poderem estar onde estão. Estou com essa pilha. Dedicação, constância, perseverança, disciplina. Todos os dias.

Não que tenha conseguido, mas é uma busca. Estava conseguindo levantar seis e pouco todos os dias, esquentar a água, escovar os dentes, armar o chimas e bum: literatura. Com essa de fim de ano (desculpas, eu sei, mas vá lá), falhei um dia, que é sinônimo de falhar dois dias, e assim vai. O mesmo vale para o estudo, agora que meus dois cursos terminaram (by the way: formatura dia 14!). Tenho um vocabulário do ofício aprendido com os anos de convivência com a nossa troupie, mas se quiser atingir patamares mais altos (e eu quero atingir patamares mais altos), tenho que estudar bastante. Fui dormir de madrugada porque fiquei assistindo o Patch Adams. Grande filme. Vi que tem um lugar para cada um de nós fazer o que a gente acredita que é para ser feito, e que funciona. A Waleska (não sei se é assim que se escreve o nome dela, mas a grafia homônima à vodka, de certa maneira, incomoda) perguntou se eu ia trabalhar hoje de tarde, e falou que trabalho é aquilo que a gente tem para dar ao mundo, é aquilo que a gente foi treinado para fazer e se dedica a querer fazer bem. É aquilo que ama fazer. Bem, estou trabalhando neste exato momento. E isso me faz sentir bem, sentir parte. E todos precisamos sentir que fazemos parte.

O telefone toca, tenho que correr. A vida não para, oh my god. Depois nos escrevemos mais. Vê se manda notícias. Aquele abraço.