quinta-feira, 31 de março de 2011

Ozzy - O Dia Seguinte


Sou Colorado desde a infância – embora não perca minhas noites de sono por causa do futebol –, mas me achei na obrigação de comentar dois errinhos da imprensa sobre o show de ontem. Primeiro, Ozzy não entrou com a bandeira do Grêmio. Jogaram a bandeira no palco e ele vestiu (aliás, de cabeça para baixo), assim como vestiu a bandeira do Rio Grande do Sul logo em seguida. Saiu escrito que jogaram a bandeira do Inter também, mas ele não pegou (bem, isso eu não vi). Segundo, ele não tocou Rat Salad, mas Faires Wear Boots.

De qualquer forma, apesar de ter faltado No More Tears (inexplicável), Miracle Man (uma de minhas preferidas) e I Want It More (a minha preferida do último cd), o show estava animal. Valeu muito ter passado horas na fila para comprar os ingressos (aliás, descobri hoje que estou no youtube. Sou o cara de boina e mochila que aparece em 0:17). Mr. Madman está inteiraço sobre o palco, pulando, batendo palmas e jogando água na plateia e em si mesmo. Os solos de guitarra e bateria foram bem bons, mas achei meio parecidos com os solos de Zakk Wylde e do finado Randy Castillo, gravados no Live & Loud, inclusive com as interações da plateia com Castillo, para mim o melhor (e mais carismático) batera de Ozzy, junto com Tommy Aldridge, esse contratado apenas para o Speak of the Devil. Ozzy está cantando melhor do que quando jovem – será que é resultado de ele ter se aposentado de sua vida de excessos? Sei que ele costumava desafinar ao vivo, mas ontem ele cantou um set – tirando um erro de tempo, se não me engano, em Road to Nowhere – perfeito.

Então, para encerrar março (ou iniciar abril, dependendo de quando você está me lendo), deixo um abraço para o Rafael, que foi quem me mandou a foto acima, meu grande camarada Giuliano Wylde (o maior fã de Ozzy que conheço), e para o Mauro Paz, meu colega de Laboratório, que está publicando sua novela A Garota Azul do Lago em capítulos no blog de mesmo nome. Enjoy.

domingo, 20 de março de 2011

Outono Rises Again

Às 20 e 21 de hoje, começamos o glorioso Outono. O sol entra em Áries e dizem que as coisas começam a acontecer. Há exatos cinco anos soube que ia me mudar de casa e há exatos quatro anos comecei a escrever uma novela em três capítulos, que era para ter sido escrita em três meses, mas levou três anos (falando nisso, Marcelo, depois vou te pedir um help). Hoje olhei para o céu e lembrei de Resolution, e das cartas de Vargas Llosa, quando ele disse que quem assume a vocação literária como destino deve se dedicar à literatura como a uma religião, e jurei que não passaria um dia sequer sem escrever pelo menos uma frase, a partir daquele dia. Lembrei de du Deffand, que disse que a distância não é nada, o importante é o primeiro passo. Mas a verdade é que aquele veneninho do vamos-deixar-para-amanhã foi mais forte. Ontem a Lua estava grande como só vai estar daqui a 18 anos, e fizemos pedidos a ela – espero que se realizem antes de 2029. Mas para isso temos que aplicar o que disse Matt Murdock: os vencedores fazem todos os dias o que os perdedores fazem eventualmente.

Foi pensando nisso que coloquei meu livro If I don’t write, nobody else will embaixo do meu santuário, ao lado do computer. Durante os London Times, em maio de 2006, quis trazer alguma lembrança de lá que me ajudasse a escrever, de alguma forma. Foi peneirando nos brechós de Camdem Town, onde comprei um casaco estiloso que mais tarde ficou conhecido por aqui como o casaquinho do Pequeno Príncipe, que achei um livro chamado If I don’t write it, nobody else will, a autobiografia de Eric Sykes. Não comprei pela história e sim pelo título, que pintado em preto sobre a lombada branca parece uma placa. E um lembrete: se eu não escrever, mais ninguém vai.

Cada vez que olho para esse livro, todas as minhas desculpas para não produzir hoje vão para o espaço.

Hoje é o dia.

Feliz Outono para nós.

terça-feira, 8 de março de 2011

Isis e o Dia das Mulheres

Em homenagem a todas as meninas do mundo hoje, publico o segundo conto da Isis, continuação do conto publicado neste post:


Isis entrou no restaurante de beira de estrada, igual road movie. Procurou o homem que dissera que ia estar ali, de novo um homem a sua espera, feito encontro adolescente. Ele era grande como uma carreta e estava sentado em frente à mesa de madeira, ao lado da janela, alheio ao movimento dos carros que vinham da rodovia e estacionavam no posto ali perto. Enterrava a bomba na cuia do chimarrão e a girava como manivela. Colocou a água no abismo de erva-mate e tentou tomar os primeiros goles. Pela cara de nojo, estava entupido. Isis parou ao seu lado:

— Olá, caminhoneiro.

Ele olhou para ela, que completou:

— O segredo é soprar dentro da bomba e tampar com o dedo.

E disse, sem alterar a expressão:

— Assim fica melhor para chupar.

O caminhoneiro sorriu.

— Essa foi a coisa mais linda que eu já ouvi de uma mulher.

Isis ainda não tinha certeza do que estava para fazer. Um segundo de suspiro foi suficiente para recobrar a chegada da faculdade e a cegueira que a fez ir direto para casa, nem bem sentir as pernas ou os bairros pelos quais o ônibus passou e seguir possuída até sua casa, seu quarto, o armário e o álbum de fotografias. Assim como nem bem sentiu as fotos que vieram antes, a obsessão depois que entrava na cabeça só saía por milagre. Encontrou a foto da festa na qual vinha pensando nos últimos quilômetros, semáforos e paradas de ônibus. Duas meninas abraçadas que pareciam felizes, e que foram felizes, em meio a pessoas estranhas, que as fizeram estranhas, mas que ali agrupadas nem desconfiavam que um daqueles abraços tinha uma história oculta, igual a maioria dos abraços, mas ao contrário do senso comum do que seus pais esperam para seus filhos. Abraço de ovelhas negras. Isis segurou a fotografia com as duas mãos, pensou em rasgar imagens para limpar o espírito do passado que causou dor no presente, parecia papo de revista para adolescentes. O peito doía, queimava, e fez a única coisa que poderia fazer: jogou a foto sobre a mesa e recomeçou a chorar.

Depois de vários minutos, impossível saber quantos, e da limpeza que provocam as lágrimas, enxergou a fotografia com serenidade. Reparou no em volta delas, e nas outras meninas rindo para a câmera, amigas de colégio, depois de faculdade. Lembrou do cartão de natal que recebera, esperando uma resposta, e na resposta que nunca chegou. As cartas que nunca foram escritas. Vasculhou o armário, abriu o pote com os Ursinhos Carinhosos, sortido em cartas. Procurou o endereço. Jogou as cartas no chão, uma a uma. Não encontrou o remetente. Tinha que sair de casa, colocar alguma ação naquele momento até que passasse o dia, e depois outro dia, e ela pudesse esquecer, tudo o que queria era não pensar. Suas mãos tremiam. Foi até o telefone, discou o número. A voz feminina atendeu do outro lado, oi, sou eu. Isis perguntou se podia passar lá.

Caminhou as quadras que a separavam da voz do outro lado da linha, ainda respirando ansiedade. Ao se aproximar da casa de madeira verde ao fundo do pátio com areia e casinha de cachorro, Isis contemplou a morada e gritou pelo nome de Isabel. Lá dentro, uma criança pulando. A porta se abriu e uma mulher de cabelos lisos negros e compridos, que balançavam sobre o corpo gordo, veio até o portão.

— De novo por aqui? perguntou ela, sorrindo com sarcasmo.

— É, eu. Queria saber se você não tem o endereço das gurias.

— Que gurias?

— As gurias.

Isabel disse para ela entrar. Seu rosto parecia uma bolacha Trakinas, e quando estava de mal-humor – o que acontecia sempre que Isis a visitava – parecia ainda mais gorda. Isis a seguiu até entrarem na casa. A filhinha dela corria pela sala. Filha sem pai. Isabel escreveu o endereço de uma das meninas da foto, disse que era o único endereço que ainda tinha, e lembrou dos tempos em que eram colegas. Do tempo em que ficavam debochando dela por ser gorda e a chamavam de Stay Puft. Isis disse que aquilo era passado, e que nunca quis magoá-la. Isabel disse que não estava magoada, estava apenas lembrando os velhos tempos. Quando deixavam de sair com ela, com medo de os caras não chegarem nelas nas festas.

— Que ironia, não? Imagino que agora isso não seja mais importante para você.

Silêncio. Isis sequer conseguiu engolir em seco. Tentou remendar, disse que aquilo tinha sido há muito tempo, e Isabel disse que tudo bem, passado é passado. E então perguntou:

— Quer mais alguma coisa... sapata?

Os olhos de Isis faiscaram e um calor estourou corpo acima. Mas nada disse. Apenas agradeceu o endereço e se dirigiu à porta. Isabel foi quem abriu, acrescentando:

— Deixa que eu abro. Senão você pode não voltar.

Isis mal enxergou os metros que a separavam do portão e da liberdade. Demorou ainda para recobrar a respiração, até que parou na esquina. Olhou de volta para a casa. Podia ir lá, colocar tudo em pratos limpos. Talvez pedir desculpas pelos anos de deboches. Talvez dizer que ela nem era gorda, a ofensa suprema a uma mulher, qualquer mulher. Caminhou de volta ao portão, mas quando chegou em frente à casa, desistiu. Não estava com espírito para reparações. E provavelmente não estaria nos próximos meses, então decidiu dar um tempo de Isabel.

Entrou no ônibus até perder-se em mil pensamentos, e travou diálogos e possibilidades em sua cabeça além daquele endereço. Se tivesse o e-mail, seria tão mais fácil. O que andaria fazendo da vida, o que andariam, as outras todas, fazendo? Com o pensamento nublado, estava quase fora dos limites da cidade e seu estômago a lembrou que estava sem comer há horas. Não sabia onde estava, mas puxou a cordinha e desceu em frente a um restaurante de beira de estrada. Caminhou até ali e entrou, sentando ao lado de um homem grande em frente ao balcão. Devia ser caminhoneiro. Isis pediu uma torrada e um café, a garçonete disse para ela aguardar um minuto. O homem a seu lado a encarava, lobo sedento. Isis o encarou de volta.

— Este aqui não é lugar para meninas bonitas virem sozinhas.

— Não se preocupe. Eu sei me defender. Se não souber, talvez eu peça a você.

O homem sorriu.

— Que bom. Pelo seu jeito de caminhar, achei que você não gostasse de homem.

Isis sorriu de volta:

— Eu gostava. Não gosto mais.

O homem a olhou dos pés à cabeça.

— Que pena. Até pensei em convidar você para dar uma volta.

— Você dirige caminhões?

— Sim. Por quê?

Isis tirou o papel com o endereço do bolso.

— Sabe de alguém que vai passar por aqui?

Ele leu o endereço. Disse que não. Isis recolheu o papel. Suas mãos ainda tremiam.

— Mas se você quiser, posso mudar meu itinerário.

Isis olhou de volta para o caminhoneiro. Dessa vez conseguiu engolir em seco. A torrada e o café chegaram. Isis nada disse. Comeu a torrada, abocanhando grandes pedaços para terminar logo. Jogou o café goela abaixo e se levantou para pagar, ainda muda. O caminhoneiro disse apenas:

— Se mudar de ideia, estarei aqui amanhã a essa hora.

Isis olhou para trás uma última vez, e acenou com a cabeça. No dia seguinte, telefonou ao chefe dizendo que não ia trabalhar, que estava doente. Dormiu até tarde, tentando não pensar mais naquela fotografia, mas tudo o que viu ao acordar foram aquelas quatro meninas perdidas no tempo sorrindo juntas sobre a mesa. Meio-dia, uma hora, uma e meia. A tarde demorou a passar. Nem tudo passava, ao contrário do que diziam os que tinham fé. Ela não tinha, não depois do dia anterior, mas como ouviu de Bob Dylan que quando você não tem nada, não tem nada a perder, resolveu arriscar. O coração aos galopes de novo, malditos seres que eram só sentimento.

Já era de tardezinha quando Isis subiu no ônibus e pediu ao cobrador para descer perto daquele restaurante de beira de estrada, embora não tivesse certeza se aquele era mesmo o lugar. Na pior das hipóteses, o homem não estaria lá, e aquilo seria um sinal de que deveria esquecer aquela fotografia, rasgá-la e seguir em frente. Então Isis desceu do ônibus, entrou no restaurante e agora ali estava ela, em frente ao homem tentando montar seu chimarrão:

— E então? Ainda tem lugar no seu trem?

O caminhoneiro sorriu malicioso:

— Sempre tem lugar para mulheres bonitas.

Isis sentou a seu lado e disse, com voz tranquila:

— Se encontrarmos alguma pelo caminho, paramos para dar carona.

terça-feira, 1 de março de 2011

March in Time

Pensei em falar nos 15 anos sem Caio F., completados findi passado, pensei em postar a fotografia tirada na casa do Scliar, a propósito de uma matéria que saiu na ZH (e que não está aqui), que fizemos no apartamento dele sobre um jovem escritor (eu) e um experiente escritor (ele), alguns anos atrás, e tenho certeza de que quase todos que viram a matéria estavam desempregados porque a reportagem saiu no caderno de empregos. Mas o caso é que hoje começamos março, o mês em que o sol entra em Áries e começa o meu glorioso Outono, durante o equinócio de 20 de março (domingo, às 20:21 horas, para ser mais exato). E começamos o mês em uma terça-feira, dia de Xangô, da justiça, da escrita, do número 8, meu 8.

Escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido, disse Jules Renard. O destino embaralha as cartas e nós as jogamos, disse Arthur Schopenhauer. Novos começos, ei-los de novo. Acho que este mês vamos estrear o café do cocô do passarinho brasileiro, que ganhei de Natal (reserve um horário na agenda, Mr. Zakk). E falando em Zakk, também tem show do Ozzy. Apesar da polêmica do post abaixo, ainda acho que ele (como artista) é um cara e tanto. E a meta dos próximos dias, já que março é mais uma oportunidade de tentarmos cumprir as promessas impossíveis do reveillon passado, e de vários reveillons passados, é retomar o plantio e o arado diário da literatura. Em breve, contos novos por aqui e mais trabalho no caderninho. Temos que manter a chama acesa, senão – sabemos – ela se apaga rapidinho. A frase de Nelida Piñon de alguma forma, todos os dias alguém bate a nossa porta e nos convida a desistir ainda ronda pelas esquinas.

Azar o dela, porque não vamos desistir.

Que venham, doces águas de março.