segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Céu Embaixo

Na semana em que saberemos como termina a saga de Mr. Bauer e vou - talvez - poder dormir mais cedo (ou pelo menos canalizar meus fins de noite para a leitura dos vários livros a serem lidos na minha estante), achei um conto que estava querendo ler há 11 anos. Ouvi falar dele na época da oficina, e hoje descobri que o conto abaixo é do Leminski (do livro Gozo Fabuloso, in: jornal Folha de S. Paulo, mais!, p.12, 15 de agosto de 1999).


Céu Embaixo


17
Janelas, escancaradas janelas do 17º andar, aqui vou eu, aqui vai toda essa minha estúpida vontade de apagar a luz, única maneira decente de apagar a dor.

16
Décimo sexto andar. Até aqui, tudo bem. A temperatura está a 17 graus, o céu azul, e a lei da gravidade continua funcionando com o costumeiro rigor. Quem partiu, tem que chegar.

15
Ao passar pelo 15º andar, já não acho mais que quem partiu tem que. Está provado que é possível, em certos casos, partir sem chegar a. Nesses casos, se diz, houve empate. Eu não jogava pelo empate. Jogava pelo escândalo, vitória ou derrota. Foi vitória? Derrota? Tem gente que prefere abrir o gás. Tem quem se dedique à pesca submarina. Em nenhum desses casos, o fim é algo de último, a meta não é definitiva. Qual era o jogo dela? Fosse qual fosse, amigos, amigos, jogos à parte.

14
Só quem já caiu de um 1º andar pode imaginar o que senti quando. Quando foi mesmo? Será que foi? Ou foi um peso que tirei de cima de mim? Peso por peso, prefiro o meu, que, pelo menos, me leva para algum lugar.

13
Pronto. Treze é meu número de azar favorito. Tenho outros números de azar. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, por exemplo, essas coisas, enfim, que atravessam as réguas de cálculo. De todos, 13 é o meu predileto. Que foi que fiz para merecer cair até o 13º andar, donde se descortina um relance do Atlântico? Quem sabe eu não devia ter, vocês sabem. Vai ver, aquela nuvem lá longe não passa de um eco de um pensamento meu. A raiva é sábia.

12
Alguma coisa não pára de me dizer, não devia ter vindo. Eu sabia que a comida era péssima, o atendimento sempre ficava a desejar. Mas, depois de vindo, como desvir? O 12º é sempre o mais filosófico. Aquele onde o ato de pensar fica mais ridiculamente genérico. Cair não é genérico. Cair é a coisa mais natural do mundo. Cair é lógico. Podem perguntar para qualquer pedra do planeta Terra.

11
O 11º andar é sempre um caso à parte. Talvez melhor dissessem um caos à parte. Mas isto não seria correto. O correto consiste em dizer: o 13º andar, donde se descortina um relance do Atlântico, sim, o mais correto, é deixar cair.

10
Não sei como suporto esta situação. É absolutamente ridículo. Só porque alguém saltou do 17º andar de um edifício não quer dizer necessariamente que tenha que chegar até um, digamos, décimo andar. O décimo andar, em casos de queda, é objeto e motivo de lendas e chacotas entre muitos povos primitivos que, absorvidos por outros afazeres mais prementes, deixaram-nas cair no esquecimento, onde jazem até hoje. Mas jazem muito bem. As lendas sobre o décimo andar, ainda vai haver quem as conte. Palavra de honra.

9
Que frio. Bem que minha mãe falou, leva um casaco. Sempre assim. A cabeça não pensa, o corpo é que sofre. O que eu queria mesmo era ficar para sempre no 12º andar.

8
Ela, ela mora no 12º andar. Ao passar, quase dei um alô. Ela não entenderia. Telefonaria para a mãe. Fritaria um ovo. No máximo, olharia para baixo. Ou para cima, para ver de onde eu tinha vindo.

7
Parece mentira, mas cheguei ao 7º andar. A que ponto chegamos! Nessa velocidade, a lembrança do 12º andar parece apenas uma lembrança. A física ensina que os corpos têm sua queda acelerada à medida que se aproximam do destino. Não vejo por que deveria ser diferente comigo. A lei da gravidade é a mais democrática de todas. Rege, com idêntico rigor, gregos e troianos, jóias e paralelepípedos, impérios e pétalas de magnólia. Sete é conta de mentiroso. Ela me mentiu. Nada mais fácil que mentir que se ama alguém. Basta dizer: eu te amo. Quem vai saber? Como medir? Como provar? As palavras também estão sujeitas à lei da gravidade?

6
No sexto, fica a administração. É o andar mais frio e mais distante. É onde se tramam as grandes negociações, onde ficam os cofres com os segredos indecifráveis. Chegar ao sexto andar é a ambição de todo corpo que cai. Os que não. A poucos é dada essa proeza. Os que fracassam, fatalmente, continuarão caindo até o quinto, onde ficam os infernos.

5
Do antigo inferno, o moderno só traz o nome. Na verdade, o inferno de hoje, no quinto andar, é um dos andares mais agradáveis do edifício, dispondo de amplas instalações, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e quarto de empregada. Os banheiros são revestidos de material à prova de fogo, precaução inútil, já que neste prédio raramente ocorre algum incêndio de proporções catastróficas. Da janela do quinto andar, avista-se o letreiro que diz, PROIBIDO CAIR.

4
Ninguém nunca soube para que servia o quarto andar. Sempre se imaginou que era uma espécie de depósito onde se guardavam as coisas que não serviam mais para os andares de cima, garrafas vazias, móveis usados, lâmpadas queimadas, livros já lidos, óculos quebrados, espelhos, diários, relógios.

3
Deus queira que esta saudade do 12º permaneça acesa durante todo este andar, durante o frio, o vento, a angústia, a raiva e a força maior deste poder que me chama.

2
Não há muito a dizer, nunca há. Meia dúzia de palavras resolvem problemas de mil anos atrás. Fomos nos dizendo cada vez menos Dizer sempre é uma outra coisa.

1
O chão é duro.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Escrevendo com 24-7 Spyz

Antes de ir para a última aula da oficina free de formas breves, resolvi matar as saudades do grande 24-7 Spyz, a melhor banda que você jamais ouviu falar – acho que o Marcelo foi a única pessoa para quem falei do Spyz que sabia quem era. Li por aí que eles vão lançar disco novo este ano (e lembrei que fiz uma homenagem a eles no um pouco eterno livro. Mas sobre isso falo mais em outro post).

Enfim, ouvi depois de anos o muito fera Face the Day, para mim sério candidato a um dos melhores momentos da década que recém acabou, mas também escrevo ao som de Heavy Metal Soul by the Pound, que comprei com parte dos royalties literários do Sex’n’Bossa.

Legal que depois de várias semanas me amarrando, comprei um novo bloquinho para viagens literárias enquanto caminho ou ando de bus, ou simplesmente sem tempo para desenvolver a ideia toda em texto. Na Bíblia de Koch, ele recomenda: reserve tempo para os cadernos. Não lembro se já comentei isso aqui, mas o mote do que se tornou o um pouco eterno livro foi tirado de uma cadernetinha minha do Menino Maluquinho que está repleta de ideias para contos, diálogos e muitos outros adubos que talvez jamais gerem plantas maiores, mas o insumo deve ser contínuo. Sempre. Como dizia o professor do clássico-da-sessão-da-tarde Jogue a Mamãe do Trem, um escritor escreve.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Um Caprica e as Sombras da Noite

Não tenho bem certeza, mas acho que foi a partir da 1 e meia da tarde de hoje (o que talvez explique o fato de eu nunca ter gostado muito de levantar cedo), há exatos 33 anos, que este caprica veio ao mundo. Como há pouco estava falando com meu fiel comparsa de Resistência sobre ser obstinado, e que se não tivermos disciplina & foco não vamos atingir nossas metas – como diria o Claudiomiro - nével, deixo uma das melhores introduções de livro que já li, aqui numa tradução não muito fiel, da coletânea de contos Sombras da Noite, de Stephen King. Uma pequena aula sobre o ofício, escrita por John D. Maconald:

“Se você quer escrever, escreva.”
A única maneira de aprender a escrever é escrevendo. Stephen King sempre quis escrever, e escreve.
Assim como escreveu Carrie, a estranha, A hora do vampiro e O iluminado, e os ótimos contos que você vai ler neste livro, e um número estupendo de outras histórias, livros, fragmentos, poemas, ensaios e outros escritos inclassificáveis, a maioria deles insignificantes demais para serem publicados.
Porque é assim que se faz.
Porque não há outro jeito. Nenhum outro jeito.
A dedicação compulsiva quase chega a ser suficiente. Mas não basta. Você precisa ter gula pelas palavras. Ser glutão. Precisa querer rolar nelas. Precisa ler milhares de palavras escritas por outras pessoas.
Você lê tudo com uma inveja que o consome, ou com um tedioso desprezo.
E a maior parte desse desprezo vai para as pessoas que disfarçam a falta de talento com palavras difíceis, estruturas de frases dignas do alemão, símbolos que saltam aos olhos e nenhum senso de narrativa, ritmo ou construção de personagem.
Então você tem que se conhecer tão bem que comece a conhecer outras pessoas. Um pedaço de nós está em cada pessoa que venhamos a encontrar.

Muito bem, então. Uma extraordinária dedicação, mais o amor pelas palavras, mais a empatia, e deste conjunto pode advir, com muito esforço, alguma objetividade.
Nunca a objetividade total.

Neste momento frágil do tempo, estou datilografando essas palavras em minha triste máquina, na sétima linha da segunda página desta introdução, sabendo com exatidão qual o tom e significado que procuro, mas sem qualquer certeza de que os esteja alcançando.
A objetividade é conquistada tão dolorosa e lentamente.
Dedicação, o tesão pelas palavras, e empatia resultam em objetividade crescente, e em seguida vem o quê?
A história. A história. Diabos, a história!
A história é algo que acontece a uma pessoa por quem você passou a se importar. Pode acontecer em qualquer dimensão – física, mental, espiritual – e em combinações dessas dimensões.
Sem a intromissão do autor.
A intromissão do autor é: “Meu Deus, mamãe, veja só como estou escrevendo bonito!”
Um outro tipo de intromissão é uma coisa grotesca. Eis uma das minhas preferidas, retirada de um dos grandes best-sellers do ano passado: “Seus olhos escorregaram pela frente do vestido dela.”
A intromissão do autor é uma frase tão inepta que o leitor subitamente se dá conta de que está lendo, e sai da história. É levado, pelo choque, para fora da história.
Uma outra intromissão do autor é a pequena aula inserida na narrativa. Esse é um de meus defeitos mais graves.
Uma imagem pode ser criada de forma elegante e inesperada, e mesmo assim não quebrar o encanto.
Ótimo. Parece tão simples. Exatamente como neurocirurgia. A faca tem um gume. Você segura desse jeito. E corta.

Uma última palavra.
Stephen King não escreve para agradar você. Escreve para agradar a si mesmo. Eu escrevo para agradar a mim mesmo. Quando isso acontece, você também vai gostar da obra. Esses contos agradaram a Stephen King e agradaram a mim.

Se você leu toda essa introdução, é porque dispõe de bastante tempo. Poderia estar lendo os contos de Stephen King.

sábado, 15 de janeiro de 2011

BBB: Bovary, Biografias & Bauer

Meu bom amigo Marcelo me deu um puxão de orelha na leitura do Flaubert, que estou me amarrando desde outubro (comecei a ler o livro de novo em novembro), estou na parte em que Emma está fazendo uma festinha particular com León dentro do fiacre. Na verdade, comecei a ler outros livros no meio, e tenho na lista de espera Como falar dos livros que não lemos, Eu sou Ozzy e Scar Tissue, sem falar nos novos rebentos que talvez venham na terça-feira, quando completo a idade de Cristo quando morreu.

Além disso, temos Jack Bauer correndo para impedir de detonarem Manhattan com os cilindros de urânio, o que está diminuindo consideravelmente minhas noites. Ainda temos pouco mais de dois meses para a chegada do glorioso outono, às vezes é tão difícil esperar, mas lembro do tempo distante em que este blog era a história de uma espera atrás da outra. E aqui estamos.

Como dizia Ernie, é preciso (acima de tudo) resistir.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Every Story Told in 2011

Abrindo os trabalhos no ano de 2011, aqui na cidade-sorriso de Forno Alegre, na semana em que vão passar a 8ª e última temporada da série preferida deste blog, e vou fazer uma oficina free sobre formas breves no verão, enquanto os livros a serem lidos me chamam, assim como os contos restantes para o Laboratório da 8inverso, deixo Kip Winger e sua belíssima Every Story Told, cujo refrão é minha oração para você neste começo de ano:

Like an endless sea crashing into me
Hear the voice of love
See the change we make test the proof of fate
Speak you heart of gold
Be every story told